Respirar fundo
Tenho andado perdida de Bologna em Bologna.O contexto é diferente e já não te sinto como minha, perdi-te um bocadinho, perdi-te muito. Já não me mostras a tua luz de fim da tarde, deixas-me chegar a casa sem uma música de companhia, calaste os sorrisos dos desconhecidos na rua, aconchegas-me num gelo chamado casa que custa mais quando penso que já foi de facto casa. Estou triste contigo Bologna por isso é que não tive vontade de te escrever, não tive vontade de te partilhar Bologna. e tanta coisa tem acontecido... Enchi-me de coragem, e por muito injusta que tenhas sido vou fazer as pazes contigo. Não te quero recordar de céu cinzento e vazia, falta pouco já, gostava que me desses pelo menos um dia de conforto, se for tarde de mais eu entendo. Quero só poder sorrir e sentir ainda estando cá uma pontada de saudades do que és agora. Do que foste tenho muitas. Ainda tenho a cabeça por arrumar. Não sei se ficará.
A Ana, o Nuno, a Carlota. A oral onde quase caí pro lado. A semana da dor de garganta e de antibiótico. O aniversário da minha Peko, o vestido pintado que não sei se se saberá algum dia se a tinta funciona. A pior semana de calor de sempre.Os contínuos dramas domésticos. Cabeça cheia. As roupas para o espectáculo.
Sally & Frank. O meu primeiro maravilhoso Gaspacho. O fim-de-semana a quatro e com o GPS. gostei tanto! Os hoteis difíceis de encontrar, as provas de vinho, a comida que não acabava nunca, a tentativa de abrir a garrafa na árvore, observar os traços e os gestos, mil fotografias, mil prendas que iam surgindo. Cinqueterre, o mar tão bom, nadar de cuecas. Corniglia, a corrida até ao topo, reencontrar o espaço do reencontro numa corrida de minutos para não perder o comboio. Foi ali. Depois de virar à direita... O regresso a Bologna num céu rosa, violeta, o silêncio, as termas que não devem existir, não querer chegar e não querer estar longe.
Estudar, estudar, os mil ensaios para o espectáculo e... A despedida do Thiago brasileiro, o terraço dos meninos que nunca tinha visto, o almoço na Osteria que deu para o resto da semana.
Uma surpresa. O meu Tiago, o meu hermanito veio cá. Revisão dos segredos, o aperitivo no Transilvania, as tardes de jardim, os ensaios que me comiam o tempo e a energia, a preocupação com um exame com 0% de estudo, ter de dar à conta de muita coisa. Acordar ainda meio grogue de uma noite bebida, banho, mala, domingo, ensaio às 11 da manhã no teatro. Água frizzante para conseguir fazer as cambalhotas todas. As 3h de ensaio, a sesta que não dormi, tentativa de estudo. Muito calor, banho, mala, teatro. O bichinho do antes, a maquilhagem, o rímel borratado que tem de se retocar, o cabelo, o cheiro a laca, gel, brilhantes por todo o lado, aquecer, já começou. As sevilhanas, as bailarinas, nós, já calor, os pés, os músculos que se sentem um a um, merda, merda, merda, é a nossa vez. As escadas, o tempo atrás das cortinas, o apresentador que nunca mais se calava. As luzes, as luzes fascinam-me, sabem a magia. Se pudesse ampliar estes momentos, esticá-los e saborea-los mais ainda... A minha família estava como sempre à minha espera, todos com um sorriso nos lábios que me aqueceu por dentro. E uma flor. Uma trattoria desconhecida matou-nos a fome. Cansaço, um cheirinho de Sto Stefano e cama. O último dia do Tiago, desculpa por não ter estado contigo como devia ser. Estação.Tentativas de pôr legendas (legumes) no filme. Tenho exame amanhã. Exame as 10h depois de uma noite complicada. Como bom italiano, o Excelentíssimo professor atrasou-se 1h30min. Era escrito, ao menos isso. Conhecimentos na espera e quase explodiu uma revolução. Fi-lo por fazer, não tinha esperanças. Mais tarde soube que passei por milagre das aulas longínquas do primeiro semestre às quais me dignei a assistir.
E mais uma rodada de estudo e um trabalho para pensar. Demasiados dias em casa sem vontade de pessoas e com vontade de as ter por perto. Um abrigo.
Calor muito calor. O Nuno chegou. E sempre que o Nuno chega consigo respirar fundo por um bocadinho. Um espectáculo de dança que não estava planeado.
As cócegas na barriga para o último exame. Ter o Nuno a dormir pertinho de mim. O exame mal feito, a limpeza caseira que só eu faço para me sentir bem, desvaziar o quarto devagarinho, vaguear por ruas desconhecidas sozinha, beber uma cerveja e ficar woooou, as piscinas de plástico dos meninos no terraço do Konrad, é tão bom ver-vos os três: James, Nuno, Konrad. As pistolas, as pizzas, todos molhados. Sentar-me no chão da Sala Borsa a folhear livros para escolher o tema para um trabalho. A despedida da Carolyn, o que ela me disse baixinho num abraço, guitarras em Sto Stefano.
Trabalhos até tarde, cansaço, muito cansaço. Noites no terraço, acordar com a chuva inesperada e correr para dentro de casa. O Partout, a Tarantella, a minha bela saia vermelha, perdidos, encontrados por acaso, as ruas cheias de gente, as pessoas mascaradas, pintadas, normais, porque sim, mas tudo dança, Bologna dançou, coloriu, sorriu, bebeu demais, brincou ontem. Palavras na noite. Fome negra e depois maldisposta. Outra noite a dormir com o céu mesmo por cima de mim. Desta vez sem precisar de fugir da chuva.
Quero escapar esta semana. Vou sim.
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